segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Resenha do texto: De perto e de dentro: Notas para uma etnografia urbana (Magnani, José Guilherme Cantor)
No referido texto, Magnani pretende explorar duas dimensões de reflexão. Com base em diversos autores, a primeira trata das abordagens sobre cidade, as quais caracteriza como um olhar de longe e de fora, que oferecem uma dimensão macro para a compreensão da dinâmica cultural das chamadas cidades globais. A segunda dimensão é uma proposta do autor, de cunho etnográfico, a qual irá denominar um olhar de perto e de dentro. Entretanto, Magnani chama atenção para o fato de que o olhar distanciado não pode ser descartado, ao contrário, este permite ampliar o horizonte de análise, bem como complementar sua proposta.
Um dos blocos de abordagens sobre cidade, citado pelo autor, diz respeito ao que seria o caos urbano provocado por fatores desordenados de crescimento, característicos das grandes cidades dos países subdesenvolvidos. Um outro bloco alude às metrópoles de primeiro mundo, identificadas como protótipo sociedade pós-industrial, onde o enfoque está na ruptura com as estruturas urbanas anteriores, considerando inclusive as formas de sociabilidade.
Não obstante o paradoxo entre estes blocos, Magnani admite a existência de uma infra-estrutura que equaliza estas cidades, seja por suas funções, equipamentos ou instituições, fazendo parte da integração com a “infra-estrutura social para a conectividade global”. Ao mesmo tempo, é essencial que cada cidade possua suas peculiaridades; frente a isto o “planejamento estratégico” vem servindo de base para os projetos de renovação urbana, onde pretende instaurar o “consumo do lugar”, como nova modalidade de consumo cultural, o que estaria sendo identificado por alguns como parte da tendência pós-moderna, ao passo que outros não acreditem que aspectos pós-modernos são capazes de romper com o que os antecede. Para Otília Arantes (1998) “(...) as novas tendências estruturais (...) transformam os alegados valores locais em mercadorias a serem igualmente consumidas e recicladas na mesma velocidade em que se move o capital. Leituras mais técnicas do planejamento estratégico apontam que a questão urbana deve ser entendida sob a dinâmica da competitividade, há quem cite um urbanismo socialmente includente e democrático e, na mesma linha, para Ana Cristina Fernandes, (2001) as políticas públicas devem ser pensadas sob os interesses de organismos multilaterais juntamente com instituições de consultoria internacional, corporações transnacionais e elites locais.
Após estes levantamentos, Magnani aponta para o fato de determinados atores sociais desaparecem das análises, quando algumas ousam explicar toda a dinâmica das cidades através do sistema capitalista. Os moradores das cidades são considerados parte passiva deste processo. Assim, o autor retorna à importância da etnografia para a possibilidade de romper com o antagonismo entre o indivíduo e as megaestruturas urbanas, de modo a resgatar uma série de práticas que não são visíveis ao ser trabalhado apenas o olhar de fora e de longe.
A prática proposta por Magnani procura considerar para além deste olhar a possibilidade de escolha dos indivíduos com relação à maneira como se organizam em sociedade. O autor ressalta o cuidado de não tornar estas questões particulares, buscando mapear os diferentes segmentos sociais, tendo em vista a existência de planos intermediários onde se podem identificar padrões e regularidades. Com esta finalidade, Magnani organizou cinco categorias de análise, cujas definições foram sintetizadas após extrairmos do texto:
pedaço, representa um espaço intermediário entre o público e o privado- “casa versus rua” que estaria vinculado ao modo de vida e às tradições, de maneira a manter uma rede básica de sociabilidade, onde as pessoas se reconhecem como portadores dos mesmos símbolos que remetem a gostos, orientações, valores e hábitos de consumo e de vida semelhantes;
mancha, funciona como ponto de referência para maior quantidade de pessoas. Nesta categoria a base física seria mais ampla, possibilitando a circulação de pessoas oriundas de várias procedências. Ao contrário dos pedaços, onde o indivíduo procura por iguais, na mancha pode-se saber que tipo de pessoas ou serviços serão encontrados, mas não exatamente quais.. No interior da mancha pode haver vários pedaços;
trajeto, aplica-se a fluxos recorrentes no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas. É a extensão e a diversidade do espaço urbano para além do bairro que se colocam a necessidade de deslocamentos para regiões distantes e não contíguas. Trajetos ligam equipamentos, pontos, manchas, complementares ou alternativos; assim, permitem pensar tanto uma possibilidade de escolhas no interior das manchas como a abertura dessas manchas e pedaços em direção a outros pontos no espaço urbano e, por conseqüência, a outras lógicas;
pórticos, se referem a espaços, marcos e vazios na paisagem urbana que se configuram passagens; por meio deles se fazem os trajetos. Não se enquadram em manchas, nem em outras classificações;
circuito, seria uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantém entre si uma relação de contigüidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos usuários habituais. A noção de circuito também designa um uso do espaço e de equipamentos urbanos, porém de forma mais independente com relação ao espaço. Contudo, também pode ser levantado, descrito e localizado.
Tais categorias não se anulam, ao contrário são complementares na compreensão da dinâmica cultural com base no olhar de perto e de dentro de Magnani.
Após esta análise, o autor enfatiza que o crescimento desordenado das grandes cidades não teve como conseqüência somente a desagregação do processo de urbanização, mas configurações nas formas de sociabilidade (e não o fim da sociabilidade), citando que “um determinado circuito de lazer, articulando pontos distantes da cidade, é tão real e significativo para seus usuários, quanto a vizinhança no contexto do bairro”.
Finalmente, José Guilherme Magnani reafirma a meta de buscar uma lógica mais geral, agora em direção á antropologia da cidade, com um olhar distanciado, reconhecendo que é possível transcender nesta lógica de referência a modelos e planos mais amplos.
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Ótimo texto, torna fácil a compreensão do texto de Magnani. Muito bem explicado, parabéns.
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