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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Resenha - REFLEXÕES SOBRE A CULTURA DO MEDO: um retrato do desenvolvimento da violência urbana na atualidade* . Por Liliane Schulz

*Artigo de Eunice Maria Das Dorês Vaz de Melo.
Professora adjunta da Universidade Presidente Antônio Carlos - Unidade Vespasiano- MG

No estudo analisado, a autora pretendeu explicitar o contexto que traz o significado do medo da violência no tempo presente, defendendo que este sentimento implica no aumento ou na diminuição da coesão dos indivíduos de um determinado grupo, citando, primeiramente as perspectivas de Durkeim e Weber sobre o assunto. Na concepção do primeiro, a estrutura de um todo pode explicar a ação e os fenômenos sociais; por outro lado, para Weber, o indivíduo seria a chave explicativa para a ação e os fenômenos sociais. Dessa forma, a autora aponta para a conseqüente tendência a haver um entendimento de dicotomia entre ação e estrutura, porém ressalta que não há apenas esta alternativa de compreensão da referida relação, adentrando na concepção de “agência humana”. O trabalho de Eunice Maria das Dôres Vaz de Melo possui como objetivos captar que atitudes os agentes têm buscado para reduzir o medo da criminalidade urbana e articular a discussão sobre a cultura do medo à noção de “agência humana”, a fim de compreender de que forma esta última pode contribuir para o estudo da cultura do medo. Considerando o medo como uma força que tem por finalidade evitar perigos de qualquer natureza e sempre existiu, a autora ressalta que na espécie humana o medo é construído e transformado culturalmente, sendo relacionado ao tempo e ao espaço. Baseando-se em Marilena Chauí, Melo destaca o que traz o medo, apontando como resposta a morte e todos os males que possam simbolizá-la: “a peste, a fome, a guerra, o fim do mundo, a repressão (para os pequenos) e a subversão (para os grandes)”.
Eunice Maria explica que o medo teria sua gênese no que chama de um singular coletivo, supondo-o como fruto da sensação de insegurança da população frente à percepção dos crimes, estando estes entre as maiores preocupações dos brasileiros.
A cultura do medo é entendida como a expressão das necessidades historicamente condicionadas de um grupo social e de seus indivíduos e como referência à totalidade das práticas sociais coletivas e suas representações simbólicas., por isso a autora chama atenção para o fato de a cultura não ser estática ou imutável, ocorrendo na verdade o inverso, tendo em vista que se apresenta como uma dinâmica das ações e interpretações dos agentes. Uma vez que todos se sentem ameaçados, a cultura do medo altera profundamente o território e o tecido urbano e, como consequência a vida cotidiana da população.
Melo destaca que deve se considerar o grau do medo de acordo com a aparente intensificação da criminalidade, desenhada pelos meios de comunicação, os quais tem explorado o tema da violência como uma das principais chaves para a audiência, podendo também estar articulada a estratégias para ampliar o mercado . Juntamente à mídia, a autora cita “a fala do crime” como um forte intensificador da cultura do medo. A fala do crime, incitada pela mídia, estaria presente nas conversas e práticas do cotidiano, fazendo parecer algo mais próximo e intenso do que de fato é. Isto resulta não no controle da violência, mas como fator que acentua o medo e a própria violência e, assim acabam por impor a segregação socioespacial,de modo a instigar preconceitos.
Um importante aspecto levantado pela autora diz respeito à negligência do poder público, uma vez que este não tem assumido o papel legítimo de garantir e manter um Estado de Direito. Além de não intervir nas relações entre a sociedade civil, até mesmo a polícia, instância do poder público, contribui para despertar o medo na sociedade. Desse modo, ao não contar com a intervenção do Estado para garantir a segurança, a população, na defensiva, se organiza e procura proteção a partir de suas próprias iniciativas.
Uma questão que se coloca, conforme Eunice Maria das Dores Vaz de Melo, é o preço que a população está pagando para reduzir o medo, por meio das atitudes que vem sendo tomadas. A autora cita que no presente, as formas interativas do cotidiano se traduzem numa socialização da violência na indagação sobre a construção da imagem do outro, promovida pela cultura do medo. Como consequência, muitas pessoas sofrem suspeição, principalmente os mais pobres, sendo freqüentemente considerados marginais ou bandidos somente pelo fato de serem pobres, intensificando ainda mais as diferenças de classes, com a exclusão e banalização dos miseráveis. Com o medo acompanhado do estranhamento nas redes de pertencimento, as pessoas se reservam mais e a desconfiança do outro faz com que seja reforçado o hiperindividualismo, dispersando, desse modo, as possibilidades de ações coletivas.
Eunice Maria apresenta como “estética da segurança”, ou “estética do medo” a expressiva alteração que se nota na paisagem arquitetônica das cidades brasileiras. Condomínios fechados com grades, muros altos, sistemas de alarmes contra roubos etc. visam dar maior proteção às pessoas e ao patrimônio, constituindo novas complexidades nos processos de segregação espacial e social que funcionam também para estigmatizar, controlar e excluir estranhos, sobretudo os mais pobres. A necessidade de se cercar tranformou a vida de pobres e ricos, inclusive no que diz respeito à qualidade dos serviço prestados conforme os espaços.
A autora destaca que o medo como fobia social não tem servido de estímulo para a organização coletivas por causas em comum dos grupos, mas tais fatores estão tornando as causas mais particulares, sendo tratadas na esfera privada. Melo destaca que a violência e a cultura do medo têm sido favorável para o crescimento de um mercado novo e em ampla expansão, apresentando hoje, a segurança como uma mercadoria vendida no mercado sob formas cada vez mais diversificadas. Citando Caldeira (2005, p. 204) é reforçado no texto, que com a expansão da indústria de segurança privada, a discriminação contra os pobres é dobrada, tendo em vista que os pobres, agora são vítimas dos abusos da polícia e também da vigilância privada.
Para Melo, construindo muros, a vida pública de fato se altera, de modo que a cultura do medo passa a moldar um novo tipo de cidadão, o que chama de “sub-cidadão”, pois trata-se de um sujeito que não percebe claramente seus direitos individuais e tampouco luta pelos direitos sociais de forma coletiva., já que busca nas estratégias da esfera privada o que poderia alcançar como direito.
Eunice Maria apresenta como interpretações do motivo pelo qual as pessoas vem agindo dessa maneira algumas vertentes: o viés estruturalista, pelo qual o indíviduo é reconhecido como mero reprodutor da ordem, ou seja, a estrutura social resulta em uma padronização dos indivíduos , de modo que se afastariam dos espaços públicos; o viés funcionalista, equiparando a sociedade como um organismo vivo, que age em autodefesa frente a uma ameaça; outra análise seria baseada no indvidualismo metodológico, justificada no fato de que o indivíduo é concebido como totalmente livre para agir e pensar racionalmente, como se não houvesse interdependênica com a estrutura. Da mesma forma, o estruturalismo e o funcionalismo desprezam a interdependência com o indivíduo, de modo a manter todas estas vertentes na dicotomia entre estrutura e ação.
Foram, contudo, apresentados no texto, três autores contendo em comum a não idéia de antagonismo entre ação e estrutura: Norbert Elias (1939), Bourdieu (2000) e Giddens (1989). Todos apresentam ação e estrutura como sendo complementares entre si. Melo afirma que estes entendem que somos nós que fazemos a sociedade e, ao mesmo tempo, somos feitos por ela, atrav´[es de uma rede de relações interdependentes.
Por fim, a autora pontua as possibilidades da contribuição da noção de “agência humana”: pensar a cultura do medo como uma expressão dinâmica das ações e interpretações dos agentes no tempo e no espaço; pensá-la de forma relacional, ou seja, considerando a interdependência entre os indivíduos; entendê-la como criadora e criatura dos agentes, sendo que estes possuem o poder de modificá-la ou mantê-la, mas não de controlá-la.
Estes levantamentos teorizam o que vem sendo observado nas cidades brasileiras, como a opção por morar em condomínios que representam para muitos indivíduos a segurança, tendo como uma das razões, a certeza de que residirão em companhia de moradores com semelhantes condições financeiras, o que “tranqüiliza”, pela mesma certeza do distanciamento dos pobres, pois despertam o medo, ainda que a certeza da segurança nos condomínios não possa ser fundamentada a partir de tais aspectos.

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